Existem várias formas de falar sobre psicoterapia. Uma delas, que me é muita cara, é entender a psicoterapia como um trabalho no tempo. Uma das frases mais assustadoras que escutei foi aquela que diz que “tempo é dinheiro“.
Antonio Candido, grande intelectual brasileiro, argumenta que isso é uma monstruosidade, porque, em suas palavras, o tempo é o tecido das nossas vidas. Ele nos pertence e significa o encontro com nossos afetos, com nossos companheiros, com nossos filhos.
Já Maria Rita Kehl, outra autora com forte presença em minha formação, no seu livro “O tempo e o cão”, nos lembra que, para Freud, o psiquismo não é um lugar no cérebro e sim, um trabalho do sujeito no tempo. Ou seja, são as marcas que nossas vivências e relações deixaram em nós e a significação que conseguimos dar a tudo isso.
Por tudo isso, o trabalho para construir a minha marca profissional precisava levar em conta esses conceitos, e a relação que construo com o paciente, a técnica e o tempo.
A Psicoterapia Psicoanalítica em três tempos
A minha marca é uma alusão a uma relação com o tempo que experienciei através da vivência em psicoterapia, tanto na minha história terapêutica quanto naquelas que acompanhei durante quase uma década.
O primeiro tempo é representado pelo primeiro círculo, um emaranhado confuso de linhas. É o momento em que algo aparece trazendo sofrimento ou mesmo uma inquietação com a qual necessitamos lidar.
Normalmente, isso aparece na vida das pessoas em situações como separação, perda de emprego, traição sofridas ou feitas. Em outras ocasiões pode ser uma angústia da qual não temos palavras para explicar, nem razões para atribuir, mas que se torna insuportável.
Quando esse tipo de evento acontece, ele dispara um sofrimento e tudo fica muito confuso: é o Instante de Ver – representado pelo primeiro dos três círculos da minha marca. Esse é o momento no qual as pessoas costumam procurar um psicoterapeuta.
O próximo momento é representado pelo segundo círculo, onde há o desenho de um fio em movimento, que permeia a ideia de processo. É quando começamos o trabalho de tentar lidar com o conflito: chamo de Tempo de Compreender.
Para algumas questões, pode até ser um trabalho de anos, décadas. Uma situação de luto, por exemplo, requer um trabalho de elaboração mais dilatado, prolongado, profundo. Esse é o tempo de adentrar todas as camadas envolvidas nas questões que precisam ser tratadas.
O trabalho de psicoterapia permite uma espécie de volta no tempo, numa regressão através da fala para as zonas traumáticas. Cabe dizer que nada disso está elaborado e é a escuta e significação oferecidas pelo terapeuta que permitem que o sujeito possa fazer essa retrospectiva e ressignificar essas vivências dolorosas.
O terceiro tempo, representado pelo terceiro círculo, é onde podemos ver um fio organizado e com uma forma definida. O Momento de Concluir é onde já foram feitas descobertas e criados novos sentidos. A partir deste ponto é possível ter uma conclusão e, inclusive, soluções para lidar com as questões que antes nos desorganizaram. Essa elaboração é o produto do trabalho em psicoterapia. É quando conseguimos ter as palavras certas para falar, explicar, entender aquilo que estava doendo e que, até então, não era possível entender.
Lembre-se: o trabalho no consultório nunca é linear
Pensar sobre esses três tempos pode ajudar muitas pessoas que entendem o trabalho psicoanalítico como uma ferramenta para guiá-los em um momento de estresse, por exemplo. Apesar de todo o sentido que procurei dar a essas etapas, elas não seguem uma linha contínua e constante.
O trabalho no consultório é dinâmico e quase sempre não obedece uma linearidade.
Deixe-me tentar explicar mais uma vez. Digamos que um paciente tenha sido surpreendido por um evento que o desorganizou, como a viuvez. Ele busca um profissional e, com as sessões de terapia, vai narrando os acontecimentos e construindo significados com o terapeuta. Esse trabalho o ajuda a atravessar o Instante de Ver.
Ao longo do trabalho, a narrativa que havia sido construída vai se desfazendo e, em paralelo, uma nova teia de significados é produzida aos poucos, na companhia do analista. Ambos ingressam no Tempo de Compreender onde, lado a lado, vão elaborando a repercussão daquele acontecimento e os desdobramentos presentes e futuros na vida do paciente.
O próximo instante seria o Momento de Concluir, certo?
Certo. Exceto por uma questão: a vida é dinâmica, e novos acontecimentos nos surpreendem cotidianamente. Se a viuvez começa seu ingresso no Momento de Concluir, isso não quer dizer, necessariamente, que o paciente esteja pronto para ter alta do consultório.
Outros episódios podem ocorrer fazê-lo ingressar, uma vez mais, no Instante de Ver. A vida sempre fornecerá insumos para que possamos entendê-la da melhor forma possível para que se consiga viver bem.