A adolescência é um momento incrível de transformação da vida cheia de descobertas, mas de conflitos e incertezas que fazem dessa travessia um lugar repleto de angústia – tanto para os pais, quanto para os adolescentes.
Como já mencionei em outro momento, há muitos benefícios em buscar um trabalho em psicoterapia. Mas receber um adolescente em psicoterapia é sempre um desafio por se tratar de uma fase decisiva na formação da personalidade.
Há uma especificidade na psicoterapia com adolescentes que diz respeito à sua diferença em relação tanto aos adultos quanto à psicoterapia com crianças. Os adolescentes ainda não usam a palavra no mesmo nível que os adultos, nem estão mais na fase do brincar e do desenho, modos de expressão da criança.
É claro que o trabalho de tratamento psíquico pode se iniciar ainda mais cedo, como já comentei sobre a angústia que pais e mães vivem com a parentalidade.
Adolescentes tem uma linguagem própria, característica da fase e acabam utilizando outras formas comunicativas, além da expressão verbal, para falar de si.
Gestos, linguagem corporal, gírias, modos de vestir, atos e atuações precisam ser atentamente observadas. Em outras palavras, é através dessas formas que o adolescente procura se expressar. Elas são únicas em cada caso e necessitam a fina atenção do terapeuta.
Acima de tudo, não podemos esperar que o adolescente sente em nossa frente e desate a falar. Não funciona assim. Muitos pais trazem seus filhos esperando que eles “possam se abrir” com o analista. Ou seja, apostam que ele falará ao terapeuta aquilo que não está conseguindo dizer a eles. É como se estivesse guardando em segredo as questões que estão lhe fazendo sofrer.
Porém, resta que, na maioria dos casos, não é que o adolescente não queira dividir com os pais seus conflitos. Ele sequer consegue ter claro para si mesmo todo esse turbilhão emocional que vivencia.
Mas, afinal, o que é a adolescência?
A adolescência é um trabalho psíquico muito específico que tem como tarefa principal a autonomia em relação aos pais. Simples de dizer, absolutamente trabalhoso de atravessar, tanto para o adolescente quanto para seus pais.
Podemos dizer que a adolescência começa junto com as mudanças corporais e a avalanche hormonal que se iniciam na puberdade.
Essa é a entrada na adolescência. Já a saída dessa fase está relacionada com a conquista da condição de adulto. Dessa forma, a adolescência é um extenso espaço de tempo no qual ocorrem o desligamento da infância e a preparação para a vida adulta.
Não pretendo esgotar todo esse tema, que não caberia nesse texto, tamanha sua complexidade. Mas, levanto alguns pontos que já nos permitem ter um bom panorama sobre os impasses vividos na adolescência. A ideia é figurar e imaginar o quanto de trabalho que o sujeito terá nessa intensa fase da vida.
O adolescente em três momentos fundamentais
O primeiro deles é a própria perda da infância. Sem dúvida, crescer significa ter um pouco mais de liberdade em relação aos pais. Entretanto, também implica em perceber que há novas e maiores demandas de responsabilidade aos quais se é convocado a responder.
Dessa forma, há sempre uma tensão sobre as perdas e ganhos em deixar a infância para trás. Compartilho com vocês um dado: muitos adolescentes e crianças de nossa geração têm demonstrado não empolgação, mas uma resistência em crescer.
Outra tarefa importante da adolescência consiste na separação dos pais. Claro que isso é um processo, logo está mais para ir se separando dos pais. Não se trata de um rompimento físico, mas sim uma mudança da relação afetiva que havia com os pais da infância.
Se na infância nutriam uma idealização profunda em relação às autoridades parentais, agora tais figuras passam a ser questionadas. O adolescente, por uma progressão de sua capacidade de inteligência, passa a detectar as falhas dos pais e mesmo suas contradições.
Uma outra questão fundamental é o aparecimento e fortalecimento das amizades. Se trata da transferência do amor que se tinha pelos pais para os amigos. Nesse contexto, aparecem até alguns fenômenos de exploração de relações homossexuais e que nem sempre significam uma orientação sexual definitiva.
A convivência com os amigos nessa época é fundamental para que eles possam dividir suas angústias, acalmar sua ansiedade e construir a própria identidade.
O árduo trabalho adolescente de se autodescobrir
Ao longo desse percurso, o adolescente irá dando forma final à sua identidade. Esse processo de formação se dá desde o início da infância. Contudo, é no trabalho psíquico da adolescência que o sujeito irá se perguntar e tentar responder quem ele de fato é.
Claro que passamos a vida ressignificando nossa identidade, pois responder a pergunta “quem sou eu” é uma tarefa que dura a vida inteira. E, ainda assim, resta incompleta, pois sempre vai sendo atualizada. Mas as bases identitárias de cada um são estruturadas até o final da adolescência.
Essas três questões fundamentais se desdobram em outros aspectos, existindo inclusive um termo chamado “Síndrome da Adolescência Normal”, ou seja, uma série de processos intensos e um tanto turbulentos que, apesar de serem carregados de angústias e intensidades, são absolutamente necessários para o percurso dessa fase.
A relação (nem sempre pacífica) do adolescente com os pais
Costumo pensar que todos os pais adolescem um pouco com os filhos. Viver a adolescência junto com eles costuma reavivar as lembranças do que fomos quando estivemos nessa fase.
É, muitas vezes, reviver o pânico de quando não tínhamos a mínima ideia do que fazer conosco e com a vida.
São muitos os pontos de potencial conflito que podem aparecer na relação entre pais e filhos adolescentes. Existem ótimos pais de crianças mas que se perdem quando precisam ser pais de adolescentes. Afinal, não lhes é claro o que precisam oferecer aos filhos, como pais, nessa fase da vida.
Cada caso é único, mas falarei sobre dois aspectos que considero mais recorrentes. O primeiro deles é o processo do adolescente de ter que se separar das figuras parentais. Na maioria das vezes esse processo é um pouco (ou muito!) cheio de ruídos.
Os pais, por não entenderem direito o que está acontecendo, podem se sentir magoados pelos ataques a eles dirigidos pelos filhos. Às vezes, conflitos se criam cheios de angústia no lar. É realmente uma fase delicada.
Talvez o mais delicado ainda são as situações em que os pais, na ansiedade de proteger os filhos, tomam as decisões por seus filhos, cerceiam a liberdade deles, com medo, talvez, de que os filhos cometam os mesmos erros que eles cometeram quando eram jovens também.
Dessa forma, a travessia da adolescência e o trabalho que precisa ser feito podem ficar mais carregados de angústia ainda, ou mesmo falhar. São os casos em que há a permanência de uma relação de dependência do filho com os pais.
O papel do psicólogo no tratamento do adolescente
Nesse contexto discutido até aqui, um analista irá construir, junto com o adolescente, uma aliança terapêutica para que toda essa angústia posso ir sendo falada. Como já pontuei, na maioria das vezes, o adolescente não consegue ainda ter clareza do que está sentindo.
Logo, a partir da bússola que a teoria proporciona, o psicólogo poderá ir construindo junto com o paciente um entendimento sobre o que está passando, deixando o cenário menos confuso.
Num segundo momento, serão tratados possíveis sintomas que causam dificuldades ao adolescente. Podem se tratar de sintomas esperados no processo do adolescer, a chamada Síndrome da Adolescência Normal.
Porém, podem se tratar também questões psicopatológicas, como problemas de imagem, transtornos alimentares, quadros depressivos ou ansiosos, isolamento social e tantos quanto estiverem implicados no caso.
O diálogo multidisciplinar no tratamento do adolescente
Para finalizar, um esclarecimento importante. Na psicoterapia com adolescentes, muitas vezes trabalhamos junto com os pais, ouvindo também o que eles trazem de questões. O intuito é esclarecer os impasses envolvidos na adolescência, e também orientar sobre como lidar com o filho que está em tratamento.
Ainda é muito frequente que o psicólogo construa um diálogo com outros profissionais envolvidos no cuidado com o adolescente: a equipe da escola, os médicos e as demais figuras de relevância no convívio do paciente.
O psicólogo não quebra o sigilo com o paciente adolescente sobre os conteúdos trazidos, porém trabalha com uma intermediação com os pais – principalmente nos casos em que há conflitos muito intensos.
Cuidar dos adolescentes é um trabalho muito gratificante, pois a relação com eles atualizam minha própria juventude, pois nossa adolescência é algo que carregamos para sempre.
Foi dali que vieram nossos sonhos, traumas, ideais e, talvez, as experiências mais marcantes.
Se cada um que convive com um adolescente puder estar em paz com a forma que vivenciou sua própria adolescência, talvez possa ser mais fácil suportar os filhos, os alunos, os pacientes que estão a lidar do seu jeito com as formas atuais de ser adolescentes.
Sem dúvida, um nobre e intenso desafio!