O trabalho em psicoterapia com crianças é um processo muito rico, e que ultrapassa as paredes do consultório. É, sem dúvida, o que mais movimenta o psicoterapeuta. Isso porque não há tratamento com crianças que não envolva todos os personagens envolvidos em seu cuidado: pais, familiares extensos, professores, pediatras, neurologistas e mais uma infinidade de profissionais que se dedicam ao cuidado com a infância.
Primeira questão: na psicoterapia com criança, não é o paciente que nos procura para pedir ajuda – são os pais. Esse pedido pode ser feito a partir de problemas detectados por eles ou, muitas vezes, por indicação da escola ou de outro profissional da área da infância.
E quais são as questões que mais trazem os pais para procurar ajuda? Crianças com problemas comportamentais, com algum diagnóstico psicopatológico, com dificuldades de relacionamento ou por problemas de aprendizagem. Essas são as queixas mais frequentes.
As fases do tratamento em psicoterapia de crianças
O primeiro atendimento se faz com os pais, o que pode ser uma entrevista inicial. Nela, a escuta é feita para que se possa entender esse primeiro pedido, explicar como funciona o tratamento e decidir pelo início do processo de psicoterapia.
Isso se faz importante porque a escolha do profissional precisa passar pela sensação de confiança dos pais e isso deve ser estabelecido antes da vinda da criança.
Como o principal interessado no processo de psicoterapia – a criança – não solicitou o atendimento, o segundo passo é estabelecer uma relação terapêutica de confiança com ela.
Então, o primeiro encontro com a criança é no sentido de conversar, de uma forma adaptada e adequada a ela, sobre os motivos dela estar ali e do que se trata o trabalho. Explico a elas que estou ali para que possamos nos conhecer e ajudá-la a entender o que não está bem.
Acreditem: as crianças que precisam de ajuda sempre entendem muito rapidamente o que está em jogo na dinâmica da psicoterapia. Elas trazem para cena – através de seu brincar, seus jogos e desenhos – os impasses psíquicos que estão vivendo. E ainda, vinculam rapidamente e não costumam apresentar muitas resistências.
A brincadeira como uma mensagem a ser decifrada
Lembro de uma cena em que uma menina veio à sessão com três bonequinhas cheias de esparadrapos. Então, ela me conta que aquelas bebês teriam ido ao médico, tomado injeção e que, depois disso, ela precisaria acalmá-las e cuidar delas.
Brincou a sessão inteira repassando com as bonecas o que ela mesma havia passado com sua pediatra e pais dias antes.
Esse é um exemplo do que significa o brincar na clínica: é uma cena de brincadeira que a criança cria para lidar de maneira ativa naquele jogo as questões que sofre de maneira passiva na sua vida cotidiana.
É no brincar que a criança elabora todas as questões que ultrapassam seu entendimento e lhe causam comoção.
Cabe ao psicólogo participar dessa cena de brincadeira, escutar essa mensagem que vem de maneira lúdica e ajudar a criança a elaborar e resolver, a partir do brincar, suas angústias e impasses.
É como se, em vários momentos, fizéssemos o papel de traduzir o mundo adulto à criança, que se sente melhor e menos confusa quando consegue se apropriar do mundo a sua volta.
O desenho como projeção da forma como a criança se vê
Com o desenho acontece algo bem semelhante. Na folha em branco, a criança se projeta da maneira pela qual ela mesmo se vê, bem como constrói sua interpretação do mundo à sua volta. Fazem verdadeiras obras de arte coloridas a partir de seu inconsciente.
Os elementos que aparecem no desenho e no brincar da criança serão considerados, juntamente com os que aparecem na escuta dos pais. E é a partir disso que sabemos onde precisa intervenção.
Por exemplo, num contexto em que uma criança é trazida à psicoterapia em função do divórcio dos pais. Através do brincar e do desenho, a criança conseguirá expressar seus sentimentos, dúvidas e receios. Assim, é possível intervir, tanto ajudando o paciente a significar tudo que está acontecendo, bem como orientando os pais sobre como explicar e orientar o filho sobre essa nova realidade.
O terapeuta como tradutor do mundo infantil aos pais
Ao longo do tratamento com a criança, os pais são chamados, sistematicamente, para que o psicoterapeuta possa dar informar sobre o que se passa com a criança. Também é importante oferecer orientação e sanar as dúvidas dos pais.
Vamos a um outro cenário hipotético. Podemos ajudar os pais a entender o que se passa em uma birra: que não se trata de uma ataque a eles. A birra é uma manifestação neurológica que precisa ser vivenciada pela criança que está ainda aprendendo sobre limites.
Nós, psicoterapeutas, funcionamos muitas vezes como tradutores do mundo infantil para os pais. Quando o casal entende o que está se passando, as coisas tendem a ser um pouco mais calmas e tranquilas.
Lembrando que não se trata de uma quebra de sigilo, pois um psicoterapeuta não pode revelar os conteúdos que a criança traz. Há uma combinação prévia com a criança sobre o que será tratado com seus pais.
Ademais, é lícito e essencial poder situar os pais das questões que merecem atenção.
Assim como há essa interação com os pais, há um intenso diálogo com a equipe escolar que trabalha com a criança, como já mencionei num texto anterior.
Aparecem muitas dúvidas dos educadores sobre como manejar com uma criança que apresenta alguma dificuldade e precisamos dar conta da angústia que ali também se apresenta.
Tal interação também é importante para sabermos informações sobre como a criança está na escola, onde há uma maior necessidade de socialização.
Em muitos casos, onde há alguma patologia, também se faz necessário manter uma proximidade da equipe médica e multidisciplinar que acompanha a criança, para dar e receber suporte no trabalho com a criança.
As formas de tratar um criança em psicoterapia
Falo aqui, ao longo do texto, sobre a infância. Mas é importante dizer que esse lindo tempo de nossa história possui dinâmicas diferentes a cada fase. Há diferenças na direção do tratamento entre crianças, relativas a cada fase da infância.
As muito pequenas podem ser atendidas, inclusive, junto com seus pais e esses têm uma participação muito maior no tratamento. Já as crianças maiores, que já estão com uma maior autonomia, vão lidar com outras questões e de forma mais autônoma. Todos esses aspectos são respeitados. Falarei sobre as fases da infância em outro momento.
Para finalizar, cabe dizer que a infância é o tempo dourado da constituição de cada um de nós.
Não há como evitar tropeços e traumas, porém a psicoterapia com crianças possibilita a elas a construção de um potente repertório para dar conta dos impasses da infância. Isso, sem dúvida, tem forte influência na saúde mental de uma vida inteira.
Discuto em outro texto sobre a importância dos pais receberem um apoio nessa difícil missão que é cuidar e educar uma criança, da melhor maneira possível.